Introdução
Existe uma fronteira que separa a Cidade da Paisagem? Ou pertence esta ao mesmo tipo de limiar que esbate as fronteiras entre um projeto e a realidade que o informa? Existem limites para o que possa ser considerado património e para as formas de intervir sobre este? É um projeto de arquitetura capaz de influenciar o curso de uma realidade concreta? Se sim, quem são os autores dessa transformação? Estas questões servem tanto de epígrafe para este texto, como são centrais para a investigação de doutoramento actualmente em curso sobre formas específicas da periferia. O objetivo deste texto, portanto, é abordá-las recuperando algumas conclusões provisórias retiradas dos principais estudos de caso dessa investigação - as obras de Jean Renaudie & Renée Gailhoustet e de Druot, Lacaton & Vassal - mas sobretudo estabelecer afinidades entre estes e o projeto de Álvaro Siza, bem como a respeito dos temas e problemáticas que enquadram o Congresso Internacional do Património Arquitetónico e Paisagístico | Malagueira em que este se apresenta. Num dos seus cadernos de desenho, Álvaro Siza escreveu uma breve reflexão sobre Aldo Rossi. Se considerarmos a relação entre os elementos primários (tais como o aqueduto ou a cúpula) e os estudos tipológicos desenvolvidos para as zonas residenciais, é evidente o eco dos estudos do italiano no traçado da Malagueira. Na verdade, segundo Siza não havia razão para uma alternativa à “linha rossiana”, mas sim a necessidade de prosseguir o seu esforço em dotar o arquiteto de um conjunto de ferramentas específicas para a sua atividade e participar numa “inexcedível exigência de compreender a realidade em transformação” e “construir os métodos de resposta”. O que, nas suas palavras, pode ser lido nas obras construídas por Rossi. (Siza, 1977, p.30) No mesmo espírito, este texto procura “ler” as obras de Siza, Renaudie & Gailhoustet, assim como de Druot, Lacaton & Vassal. Abrangendo aproximadamente as últimas cinco décadas, os seus projectos têm em comum o facto de terem sido construídos durante a segunda metade do século XX, no âmbito de programas de habitação “social”. [1] Embora não haja uma afinidade evidente entre estes últimos e a Malagueira, os três enfrentaram contextos periféricos e partiram da intenção de ancorar os seus projectos numa interpretação aprofundada das especificidades socioeconómicas, políticas, culturais e ecológicas desses lugares. Para tal, ensaiaram conciliar a participação dos futuros habitantes com a utilização de instrumentos próprios da autonomia disciplinar da arquitetura, como forma de escapar aos procedimentos normativos que enquadram esses programas habitacionais. Se Siza sublinhou a importância dos assentamentos pré-existentes e da formação natural da Malagueira, Gailhoustet destacou a influência dos jardins operários tradicionais na sua proposta. Já para Druot, Lacaton & Vassal, a acumulação de usos e formas de apropriação cultivadas pelos moradores ao longo de décadas foi entendida como uma forma de património a defender contra a demolição. Assim, este texto estrutura-se em três partes, com o objetivo de revisitar e clarificar estas três abordagens como parte de um mesmo projeto para a arquitetura, a cidade e a paisagem.
Uma paisagem não é um cenário, é uma forma de inteligência
A referência previamente citada a uma “realidade em transformação” testemunha a consciência de Siza quanto às preocupações abrangentes que moviam Aldo Rossi nessa época. Estas referiam-se tanto à morfologia e tipologia dos centros historicamente consolidados, como às cidades modernas que cresciam exponencialmente, à custa de novas periferias. Novos sectores da cidade que segundo Rossi deveriam merecer uma reflexão igualmente cuidada por parte daqueles que reflectem sobre a Arquitetura da Cidade. (Rossi, 1975/1978, p.158-174)
Numa página anterior do mesmo caderno, Siza tinha anotado as suas próprias preocupações relativamente à Cidade. (Siza, 1977, p.14) É difícil assegurar que estas notas digam respeito à Malagueira, uma vez que no mesmo caderno se encontram referências a outros projectos na cidade do Porto. No entanto, os aspectos apontados por Siza parecem enquadrar-se perfeitamente nas suas tarefas para Évora, onde deveria projetar todo um novo sector da cidade. Segundo as suas notas, este deveria ser pensado como uma zona residencial com “serviços permanentes” e “colectivos” próprios, conciliando as esferas do “indivíduo”, da “família ou outra comunidade”, e do “colectivo”. Para além disso, deveria ser capaz de acolher tanto os acontecimentos ocasionais como as rotinas quotidianas, procurando compreender “tudo o que são movimentos”, “tudo o que são espaços de permanência” e “tudo o que seja evolução histórica” do lugar.
Por outras palavras, o seu desenho deveria ser capaz de envolver tanto as tendências e estruturas consolidadas pela longa duração da história, como as suas transições, a efemeridade da vida quotidiana ou, numa palavra, uma realidade em constante mudança. Esse esforço exigia um “estudo particular no sentido de uma compreensão global”, para elucidar “os suportes materiais do ambiente - o porquê desses suportes”, bem como os “suportes materiais da transformação - a sua viabilidade/dimensão ideológica da construção”. Para tal, acrescentou, seria necessário conhecer o passado de um lugar, bem como as “tendências de transformação” do seu presente, a fim de conceber uma “proposta” para o seu futuro.
Em suma, a realidade era para Siza a matéria privilegiada para a transformação da própria realidade. Na periferia de Évora, o projeto para a Quinta da Malagueira representou um esforço de planeamento para a expansão da cidade para poente. Sintoma de um problema estrutural de habitação, a existência de aglomerados ilegais [2] tinha sido anteriormente pretexto, nos anos 60, para um plano da Direção Geral dos Serviços de Urbanização (DGSU) e do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), que pressupunha a construção de empreendimentos para a classe média e de uma série de torres de habitação “social” inspiradas na Carta de Atenas, algumas das quais foram construídas e ainda hoje existem nas proximidades. Após a Revolução de Abril, esse plano foi suspenso pelo então Secretário de Estado Nuno Portas e, no âmbito da experiência revolucionária do Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL), uma vasta área fora das muralhas da cidade foi incluída no programa. Com o fim da Revolução, veio o fim do SAAL. No entanto, a população organizada manteve-se empenhada na “intenção de construir a própria casa”. (Siza, 2013, p.105) Liderada pelo Partido Comunista, [3] a Câmara Municipal expropriou os terrenos, cedendo-os às associações de moradores (entretanto transformadas em cooperativa) e contratou Álvaro Siza para desenhar um novo plano de pormenor para a Malagueira.
Como é comum neste tipo de territórios suburbanos, Siza encontrou uma paisagem heterogénea e fragmentada, em que os bairros clandestinos com vista para as colinas amuralhadas de Évora se intercalavam com actividades agrícolas e formações naturais, tais como cursos de água, e pequenos bosques ou afloramentos rochosos. No seu livro sobre a Malagueira, Enrico Molteni intitulou o seu texto de abertura “Entre o céu e a terra”, destacando a importância de ambos os elementos no projeto, desde logo nos primeiros esquissos desenhados por Siza. Coincidentemente, em 1981, poucos anos após o início do projeto de Siza, o paisagista Michel Corajoud definiu a paisagem como “o lugar onde o céu e a terra se tocam”. (Corajoud, 2010, p.9) Segundo o autor:
Numa paisagem, a unidade das partes, a sua forma, é menos importante do que o seu transbordar; não há contornos claros, cada superfície treme e organiza-se de tal modo que se abre essencialmente para o exterior. As “coisas” da paisagem têm uma presença para além da sua superfície, e esta emanação particular opõe-se a qualquer discriminação real. (ibid., p.11)
“Entre o céu e a terra” tornou-se assim uma imagem adequada para representar a relação que os elementos de uma paisagem, como por exemplo uma árvore, estabelecem com o resto do mundo. Além disso, explicou, “toda a paisagem é, de várias maneiras (nem que seja no seu abandono), historicamente construída, e é um estado memorável dos actos humanos que a produziram, desenvolveram, usaram, sujeitaram ou rejeitaram”. É o resultado de um conjunto de “organizações sociais e produtivas” que as transformam, pois “tanto o campo como a cidade são produtos de uma relação de interdependência entre a natureza original, enquanto sítio e matéria, e o homem, ele próprio parte de relações sociais determinadas e mutáveis.” (ibid. p.40) Nesta perspectiva, uma proposta arquitectónica e urbanística pode ser entendida como “fundada no solo” não quando é pensada por pontos, mas antes para envolver toda a sua superfície, preparando o substrato para uma série de acontecimentos lentos e, em certa medida, imprevisíveis.
Esta metáfora funciona como uma descrição bastante útil para reflectir sobre a abordagem de Siza à Malagueira. Para o arquiteto, não se tratava de fazer tabula rasa ou de idealizar de forma selectiva o lugar que tinha encontrado. Pelo contrário, cada fragmento dessa realidade heterogénea constituía matéria-prima para a sua proposta: “as linhas de propriedade, os pequenos caminhos pedonais, as árvores, algumas pedras, a paisagem, tudo serviu de referência na nossa intervenção que se desenvolveu a partir destes assentamentos ilegais”. (Siza, 1980, p.1) A paisagem tornou-se para Siza uma forma de inteligência, através da qual se encontraram as razões para a geometria, para lá da abstracção ou do formalismo. Molteni explica-nos, por exemplo, como as diferentes direcções permitiram que o tecido do novo bairro se entrelaçasse com os fragmentos urbanos existentes e compusesse os vazios a deixar pela vegetação e pelos cursos de água existentes. Para além disso, explica-nos como um caminho de pé posto, herdado do hábito de caminhar desde Santa Maria até à Malagueirinha, serviu de pretexto para uma travessia diagonal coberta; e como a estreiteza das ruas permite atravessá-las à sombra durante a maior parte dos dias quentes de Évora. (Molteni, 1997) Ou ainda, como as ruas que seguem o declive natural permitiram poupar dinheiro/matéria nas fundações de betão, preservando relativamente intactas tanto a proeminência da cidade velha no horizonte de Évora como a bacia hidrográfica das ribeiras existentes, drenando naturalmente as águas pluviais e conferindo assim ao projecto um sentido profundamente ecológico.
Uma vez mais, uma paisagem não é o pano de fundo para um conjunto de figuras, mas o resultado de relações sociais históricas. Ela materializa e exprime valores de uso que lhe são próprios e intrínsecos. No caso dos povoados existentes, se a sua “evolução [foi] um reflexo da opressão, da decadência programada do homem para se adaptar a um meio baseado na exploração e na divisão do trabalho”, foi também um espelho de “uma perceção global e instintiva fortíssimo e eficientíssimo (no sentido da sobrevivência).” (Siza, 1977, p.14) Como descreveu Brigitte Fleck, “a individualidade das casas, na sua maioria térreas, dos bairros existentes, com os seus pátios, jardins, alpendres e os seus arranjos sanitários do tipo “faça você mesmo” foram cuidadosamente estudados e adoptados dentro da estrutura.” (Fleck & Pfeifer, 2013, p.26) Estas formas de apropriação, auto-concepção e auto-construção não eram vistas como questões de estilo ou de gosto a educar, mas como um modo de entender a paisagem, de fazer-com, para poder fazer o máximo com o mínimo de recursos possíveis.
Sobre a questão dos pátios, associados frequentemente à arquitetura vernacular, Siza explicou que se utilizou “formas tradicionais” não foi “por uma questão de atitude. O pátio, por exemplo, foi usado para conseguir um certo grau de conforto com o dinheiro que estava disponível, intermediando um microclima.” (Siza, 1991, p.61) Para além disso, o pátio dotava as casas da generosidade de um exterior correspondente ao interior de cada casa, bem como a possibilidade para cada um se expandir de acordo com as suas necessidades. Segundo Siza, “toda a gente [lhe] dizia que a ideia do pátio provocaria apropriações horríveis por parte dos habitantes, como as que se vêem frequentemente nos subúrbios”. Pelo contrário, defendia-se:
(…) o que me interessa na construção de uma cidade é a sua capacidade de transformação, algo que se assemelha ao desenvolvimento de um homem que, desde o nascimento, tem certas características e autonomia suficiente, uma estrutura básica que pode acomodar ou resistir às mudanças da vida. (…). O que nós construímos na Malagueira é como o ponto zero de um sector da cidade. (…) quando se visita, quando se atravessa as ruas, os jardins estão habitados, alguns jardins têm flores, árvores, outros têm coisas de plástico que podem ser de péssimo gosto, mas isso está muito para lá do controlo do projeto, não porque seja caótico ou irracional, mas porque a ambição do projeto é fazer uma estrutura aberta a transformações que possa ao mesmo tempo manter a sua identidade. (ibid., p.62)
Para concluir sobre a Malagueira, isto conduz-nos à questão da participação, um assunto sobre o qual Siza se mostrou, em várias ocasiões, cauteloso. Nomeadamente, no que diz respeito a uma perspetiva do arquiteto como aquilo a que alguns se referiram como a “mão do povo”, sustentada por uma abordagem “mistificada e mitificada” que oscila entre a “concessão e a exigência”, a “demagogia e a ingenuidade”. Para Siza, a participação era seguramente um reflexo dos “conflitos sociais e especificidades culturais” que envolviam cada projeto, aprofundando a sua inteligência e a dos seus autores, cuja “competência específica não pode [no entanto] ser eclipsada pela colectividade uma vez que constitui uma presença insubstituível”. A formação profissional, escreveu, “com todos os seus conhecimentos, é um capital ao qual não se pode renunciar” e, por isso, o papel do técnico perante os problemas de cada projeto é apoiar e promover “o aumento do número de pessoas que os pensam responsavelmente, sem diluir a sua própria responsabilidade”. [4]
De Évora, aprende-se que uma compreensão holística da paisagem, ou seja, uma compreensão que se oponha a “qualquer discriminação real” traz consigo uma noção análoga de participação. A construção de uma paisagem acontece antes, através e depois do projeto de arquitetura. Como tal, a participação pode funcionar de forma semelhante. Por um lado, porque mesmo antes de se dar início do processo de projeto, as formas de vida dos antigos e futuros habitantes exprimem já uma certa forma de inteligência espacial que deve ser compreendida pelo projectista. Por outro lado, o respectivo projeto pode funcionar como uma matriz, uma tela com as suas próprias regras, mas sobre a qual os seus habitantes poderão continuar a construir o seu próprio futuro.
Quando a metrópole estilhaça, as raízes começam a crescer
A periferia de Évora e a proposta de Álvaro Siza para a Malagueira, em particular, fornecem-nos ferramentas úteis para melhor compreender a importância de outros projectos, em diferentes periferias. À medida que a demografia de Paris e dos seus arredores avançava ao ritmo da reorganização industrial da sua paisagem, a habitação operária, ou melhor, a sua escassez e a sua precariedade, tornou-se uma questão premente. Até aos primeiros anos do século XX, a questão da habitação operária tinha de ser resolvida pelos próprios trabalhadores. As soluções alternavam sobretudo entre a auto-construção de barracas, em zonas degradadas das periferias urbanas, ou o arrendamento de habitações insalubres e sobrelotadas, construídas por especuladores imobiliários em zonas mais ou menos consolidadas do tecido urbano. Em busca de mais espaço (não só de mais metros quadrados, mas sobretudo de mais ar e mais luz), ou seja, de condições de vida mais dignas, as periferias urbanas tornaram-se assim uma terra prometida para a realização dessas aspirações. [5]
Durante os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a necessidade de abordar a habitação à real escala e urgência do problema, deslocou o pêndulo ideológico que enquadrava a construção de habitação popular para conferir um papel mais importante ao sector público e para consolidar as esferas da racionalização, da normalização e da normatividade de modelos habitacionais. Em França, esta resposta massiva materializou-se sobretudo em torres ou longos blocos habitacionais que se tornaram conhecidos por “grands ensembles” [6], inspirados maioritariamente nos princípios da Carta de Atenas. Nas três décadas que se seguiram, a qualidade média da habitação popular aumentou significativamente, mas as suas condições de produção foram burocratizadas e desenvolvidas de forma análoga à lógica do desenvolvimento capitalista em curso. Traduzido para o espaço, esta significava a referência a princípios de análise e racionalização económica, assim como à tipificação e à divisão de funções tanto à escala doméstica como urbana, com implicações materiais particularmente evidentes na paisagem dos banlieues [subúrbios]. (Verret, 1995, pp.45-71)
Tal como para Siza em Évora, foi num contexto de promoção, mas também de recusa em projectar os grandes conjuntos de habitação tal como se construíam à época, que os trabalhos de Jean Renaudie, Renée Gailhoustet e Nina Schuch encontraram terreno fértil em Ivry-sur-Seine. Inicialmente, um plano diretor para a renovação urbana do centro da cidade foi realizado por Roland Dubrulle, que desenvolveu o seu trabalho durante os anos 60 segundo as orientações tipológicas de cariz funcionalista dos “grands ensembles”. No entanto, quando Dubrulle se demitiu em 1970, o lugar foi assumido por Renée Gailhoustet, que por sua vez convenceu a administração da cidade a convidar Jean Renaudie para prosseguir o projeto com base na proposta que este tinha concebido anteriormente como membro do Atelier de Montrouge para a nova cidade de Le Vaudreuil. (Scalbert, 2004, pp.11-51) Um projeto cuja importância dada ao solo e à topografia existente faz ressoar alguns dos princípios de Siza para a Malagueira.
Tal como no caso de Évora, uma gestão municipal comunista proporcionou as condições objectivas e subjectivas ideais para que estes arquitectos (que partilhavam essa orientação comunista) desenvolvessem os seus projectos. Como observou Irenée Scalbert, nessa altura ser comunista significava pertencer à vanguarda. (Ibid, p.42). Assim, seguindo os seus princípios teóricos, Renaudie procurou dar corpo ao que acreditava ser a natureza complexa e intrincada de uma cidade, cujo desenho deveria combinar e sobrepor a multiplicidade das necessidades humanas, nomeadamente as indeterminadas. Para tal, o princípio da separação promovido pelo planeamento funcionalista por zonas era considerado desadequado. (Renaudie, 2014, p.12-21)
Para Jean Renaudie, que conduziu esse processo, a arquitetura e o urbanismo eram inseparáveis. Quanto ao processo de projeto para a renovação urbana de Ivry, este contou com a participação da população local (Grossman, 2019, p.109), que Renaudie acreditava ser perfeitamente capaz de julgar criticamente o resultado dos projetos de habitação coletiva então em planeamento - e que era conhecidos pelo público em geral como “gaiolas para coelhos”. [7] Contra a lógica anterior de burocratização e de concepção para uma pessoa ou família tipo, o plano diretor de Renaudie e Gailhoustet previa uma arquitetura capaz de responder e combinar esta diversidade popular. Na sua perspetiva, não havia um só tipo de pessoas, pelo que “não é possível imaginar uma solução única, uma solução padrão, que respondesse a essas preocupações. A necessidade de diversidade deve ser satisfeita na medida do possível: não haverá duas famílias idênticas a viver nestas habitações e as relações inter-familiares familiares ou entre habitantes podem não corresponder a modelos simples e pré-determinados.” (Renaudie, 2014, p.92)
No projeto para Ivry, por sua vez, cada apartamento exprime a sua singularidade através da forma, tanto em planta como em corte. O interior de cada unidade dá acesso a pelo menos um jardim individual. Do exterior, numa tensão entre ordem e desordem, as formas oblíquas permitem que os espaços exteriores comuniquem entre si, assegurando simultaneamente a distância necessária em relação aos vizinhos. No interior, essas diagonais permitem a interligação de compartimentos, fazendo com que espaços com superfícies reduzidas se sintam maiores e escapem a funções pré-determinadas. Esta amplitude do espaço é reforçada pelo facto de a maioria dos apartamentos serem duplexes, ou até triplexes, com perfurações na laje que permitem o atravessamento e a circulação da luz e do ar através de tectos com pés-direitos duplos.
De acordo com Renaudie, “praticamente todos os habitantes destes apartamentos
queriam um terraço”. (Scalbert, 2004, p.145) Para o autor, estes terraços articulavam os apartamentos com a cidade, não apenas do ponto de vista formal, mas no sentido de proporcionar um espaço próprio entre o indivíduo e o coletivo. A sua geometria procurava fomentar uma sociabilidade que se assemelhasse à dos jardins operários que marcavam a tradição de Ivry, em vez do urbanismo de gaveta em torres e bandas tão típico do pós-guerra. O seu desenho em betão funcionava como o suporte (ou estrutura) sobre o qual os cidadãos podiam participar na imagem da própria cidade. De facto, segundo o autor, havia exactamente essa “outra ambição para os terraços, que leva tempo a concretizar: que os habitantes possam transformar o edifício através das coisas que plantam”. (ibid.) A estrutura, acrescentou, “deve ser o suporte para a imaginação”. (ibid., p.19) [8]
A mesma atitude seria mais tarde reproduzida por Renée Gailhoustet em projectos para outras comunas da cintura vermelha parisiense, como Saint-Denis ou Aubervilliers. Relativamente aos terraços que desenhou para La Maladrerie, um novo quarteirão urbano que substituiria um bidonville aí existente, Gailhoustet considerou esses espaços não como “complementos”, mas como as bases do seu próprio projeto. Isto, escreveu, porque “quando se trata de uma casa, de uma casa propriamente dita, de uma casa familiar, individual, o jardim não é um complemento. É quase sempre o que determina a escolha do habitante: um domínio privado, a distância aos vizinhos, um espaço de recreio para as crianças, para secar a roupa, para uma horta ou para a bricolagem.” (Gailhoustet, 1993, p.27) Esse arranjo de apartamentos evocava portanto uma ideia de casa que ia ao encontro das aspirações populares e operárias de propriedade, construídas social e politicamente ao longo das décadas anteriores. Mas também, através de uma leitura mais fina da realidade complexa também defendida por Siza, proporcionando um equilíbrio entre espaço coletivo e espaço pessoal, que visava ultrapassar num movimento dialético a distância entre a urbanidade e a ruralidade.
“Não demolir é uma estratégia”
No momento em que os primeiros projectos de Renaudie & Gailhoustet para Ivry-sur-Seine começaram a ver a luz do dia, o programa de construção dos “grands ensembles” começou a recuar. A partir de 1965, as políticas de urbanização orientaram-se no para a construção de villes-nouvelles [cidades-novas], assim como para o incentivo da iniciativa privada e da construção de subúrbios de tipo pavilhonar. [9] Perante a degradação do parque habitacional desses grandes conjuntos habitação de renda moderada [HLM - habitations à loyer moderé], a possibilidade de demoli-los começou a ganhar tracção, para o Estado francês, enquanto resposta tanto à obsolescência técnica desses edifícios como aos problemas sociais que lhes estavam associados. [10] No entanto, em 2004, por encomenda da Direção da Arquitetura e do Património do Ministério da Cultura e da Comunicação, Frédéric Druot, Anne Lacaton & Jean-Phillipe Vassal realizaram um estudo [11] sobre os impactos sociais e financeiros deste processo de demolição e reconstrução de novas habitações, nomeadamente sob a forma de casas unifamiliares. (Druot, Lacaton & Vassal, 2007, p.209) Numa perspetiva divergente, que antecipou reflexões posteriormente desenvolvidas por sociólogos, concluíram que a demolição era um erro e que “a sua transformação permitiria responder às necessidades de forma mais económica, mais eficaz e mais qualitativa.” (Lacaton & Vassal, 2009, p.152).
Como atitude de projeto, isto significava “recriar o impacto da reconstrução do pós-guerra, que tinha iniciado a passagem de uma habitação insalubre para uma habitação salubre, e instigar o prazer de habitar” (Ibid., p.29). Numa perspetiva tão radical quanto pragmática, os arquitectos declararam, através de uma investigação tornada manifesto, que “a arquitetura de cada bloco ou torre suburbanos [deve] atingir níveis máximos de conforto e qualidade, iguais aos de edifícios de maior luxo em quarteirões mais nobres e deve garantir a durabilidade dos edifícios de forma definitiva” (Ibid., p.31), em vez de proceder à sua demolição. Neste sentido, “não demolir é uma estratégia”. (Druot, 2009) Uma estratégia que foi mais tarde posta em prática no projecto para a Torre Bois-le-Prêtre, em Paris, e que incluiu não só a renovação dos edifícios em si, mas também a reorganização dos espaços colectivos existentes no seu rés do chão, assim como a redistribuição das famílias pelas habitações existentes. A existência de fogos devolutos, que historicamente havia servido para legitimar a demolição desses grandes conjuntos, foi então considerada uma oportunidade para melhor reorganizar as famílias residentes na torre de acordo com as suas reais necessidades no momento da reabilitação. Para além de operações de natureza arquitetónica, o projeto incluiu a negociação com as entidades responsáveis para que, após a transformação da torre, as rendas não fossem indexadas à (nova) superfície dos apartamentos, mas sim à sua tipologia.
Como explica Druot, para os arquitectos, a forma específica como cada habitante se havia apropriado da sua casa de acordo com as suas necessidades e desejos, bem como as rotinas particulares que tinha estabelecido no seu bairro, eram vistos como uma forma de património a defender. (Druot, 2014) Para tal, a intervenção deveria tirar o máximo partido das suas qualidades intrínsecas, aproveitando para construir mais espaço do que seria possível se uma parte considerável do orçamento fosse consagrada a demolições.
A este respeito, pode afirmar-se que a investigação de Druot, Lacaton & Vassal visou abordar as contradições entre os modelos de habitação individual e colectiva, chegando à conclusão de que o que tinha alimentado a preferência das classes trabalhadoras pelas primeiras, nomeadamente conduzindo ao abandono dos grands ensembles, havia sido sobretudo um sentimento de liberdade. Este sentimento, embora ideologicamente instrumentalizado de formas diversas ao longo da história, tinha as suas razões materiais próprias. Para Jean-Phillipe Vassal, “esta ideia de liberdade remete para o facto de poder haver um pequeno jardim, ou seja, um espaço adaptável, mesmo que não seja utilizado para nada”; por isso, acrescenta, “quando colocamos a questão da habitação, consideramos que é necessário oferecer a mesma quantidade de espaço vazio que de espaços com utilizações atribuídas”. (Druot, Lacaton & Vassal, 2007, p.87) Para Druot, Lacaton & Vassal, “o discurso sobre a habitação unifamiliar [não] era muito diferente do discurso sobre a habitação colectiva”, tendo em conta a situação actual. A dicotomia torna-se irrelevante numa dimensão abstracta e com frequência “uma casa unifamiliar não é mais do que um apartamento pior construído, apenas situado no centro de um pequeno jardim”. Segundo Druot, ambos são hoje “os extremos da materialização absoluta de uma única abstração. Por um lado, a concretização perfeita, numa equação vertical, do congestionamento; por outro, a concretização perfeita do congestionamento numa equação horizontal”. (Ibidem, p.85) [12]
O que isto quer dizer é que, em certa medida, as condições materiais que definem as qualidades de uma casa, no imaginário coletivo, são transponíveis para a arquitetura dos grandes conjuntos habitacionais. Nas propostas de Druot, Lacaton & Vassal, isto é conseguido através da adição de jardins de inverno ao edifício original, “marquises” cujo carácter se pretende que seja polivalente ao ponto de se poder tornar tanto uma pequena oficina como um pequeno jardim. Este é um dos pressupostos que a sua investigação teórica postulou e procurou demonstrar, nomeadamente através das colagens que ilustram as propostas de transformação de vários grands ensembles. Não será por acaso que estas colagens foram compostas, na sua maioria, por fragmentos das Case Study Houses projectadas em meados do século XX.
A esse propósito, também não se pode ignorar o facto de um primeiro protótipo para as intervenções previstas pelo exercício teórico “Plus+” ser a Casa Latapie, projectada e construída por Lacaton & Vassal, em Floirac, 1993. Concebida para uma família operária que vivia anteriormente num apartamento num conjunto de habitação colectiva (HLM), essa casa trata-se, segundo Hubert Tonka, de um “pavilhão de tipo novo (…) concedendo pela primeira vez uma arte de habitar fabulosa e condições económicas revolucionárias” (Sens & Tonka, 1994, p.1). Metade “máquina de habitar”, para recuperar uma expressão de Le Corbusier tão cara ao movimento moderno, e metade jardim (de inverno) para a máxima liberdade, esta casa unifamiliar tornou-se um laboratório para testar novas possibilidades para as formas de habitar contemporâneas. E ao fazê-lo, esse exercício forneceu respostas não só para o habitat pavilhaonar, mas sobretudo para a habitação colectiva e para o vasto património desses grandes conjuntos de habitação modernos. Demonstrando, como Siza ou Renaudie & Gailhoustet haviam tentado anteriormente, que a densidade e a qualidade espacial não são mutuamente exclusivas; e que mesmo cada apartamento pode tornar-se uma casa e participar assim na transformação da cidade, preservando as qualidades de modos de vida já existentes. (Vassal, 2021)
Conclusão
A propósito do projecto de Siza para a Malagueira, Pierluigi Nicolin elogiou a sua capacidade de activar o que definiu como uma “sensibilidade para aprender com a situação”, num “sentido europeu do Learning from”. (Frampton et al., 1989, p.95) Num momento histórico como o que atravessamos, em que cresce uma consciência política da ecologia, a possibilidade de continuar a habitar as nossas paisagens é, sem dúvida, a forma mais importante de património a preservar. Isto significa também que a regeneração das paisagens habitáveis deve partir das paisagens tal como elas existem e não de quaisquer imagens idealizadas, sejam elas urbanas ou referentes a uma arcádia perdida. Até porque uma percentagem cada vez maior do território já não corresponde nem a essas imagens de cidades historicamente consolidadas, nem às antigas paisagens rurais, mas sim a uma urbanização extensiva de subúrbios heterogéneos, que existem e persistirão durante muito tempo. Se para além disso considerarmos o impacto que as indústrias da construção e, em particular, a construção de novos edifícios têm na crise ambiental em curso, torna-se claro que a alternativa não passa por encenar quaisquer utopias formais, nem por fazer tabulae rasae sobre aquilo que consideramos não corresponder aos nossos próprios critérios estéticos. Pelo contrário, é cada vez mais sensato envolver a inteligência intrínseca de cada paisagem, com todos as suas contradições sociais e particularidades ambientais, fazendo-com elas para poder efectivamente transformá-las. No final de contas, “neste século já não se trata de expandir as cidades, mas de aprofundar os territórios”. (Marot, 2010, p.131)
- Neste caso, as aspas assinalam um outro traço comum entre Álvaro Siza, Jean Renaudie & Renée Gailhoustet e Druot, Lacaton & Vassal: a convicção de que não existe tal coisa como habitação “social”, mas apenas habitação, sem mais adjectivos.
- Tal como noutras cidades europeias, a expansão do tecido urbano para além das antigas muralhas deu-se num primeiro momento de forma relativamente espontânea e informal. Isto aconteceu tanto à custa do afluxo do proletariado ou lumpenproletariado à cidade, em busca de trabalho, como das camadas de classes mais elevadas que partiam para a periferia em busca de um idílio onde construir as suas casas. As primeiras, classes sem-terra criadas pelos monopólios latifundiários e sem outros meios de subsistência, foram obrigadas a permanecer na periferia da cidade em aglomerados informais como os da Quinta da Malagueira e redondezas. Para uma contextualização cultural, política e socioeconómica mais aprofundada do projeto para Évora, cf. Molteni, E. (1997). Álvaro Siza: Bairro da Malagueira, Évora. Edições UPC. Para uma visão do ambiente social e das implicações desta estruturação monopolista do trabalho na vida dos alentejanos, sugere-se a leitura de um dos primeiros romances de José Saramago: Levantado do Chão, publicado em 1980.
- Brigitte Fleck sublinha o papel desempenhado pela liderança municipal do Partido Comunista, liderada pelo presidente da Câmara Municipal Abílio Dias Fernandes, nomeadamente nas lutas contra a administração central pelo financiamento do projeto. Esta importância parece atestada pela publicação de um texto assinado pelo autarca a par das reflexões de Álvaro Siza sobre a obra em Évora, publicado no número 132 da revista Arquitetura, logo em 1979. Cf. Fleck, Brigitte & Pfeifer, Gunther (eds.) (2013), Malagueira, Álvaro Siza em Évora, Syntagma; “O presidente da C.M. Évora fala sobre o projeto” (1979), Arquitetura (Lisboa), 132, p.36. Bem como pelas palavras de Siza em Imaginar a evidência, op.cit., p.109.
- Para as passagens que compõe este parágrafo, cf. Siza, A. (1979), “Notas sobre o trabalho em Évora”, Arquitetura, op.cit, p.36; Siza, A. (2013), op.cit, pp.107-113
- Na viragem do século, a questão da habitação popular tornou-se uma preocupação não só dos próprios trabalhadores, mas também do discurso dos “líderes políticos”, da esquerda à direita, do sindicalismo revolucionário ao catolicismo social. Para ambos, a questão da habitação encontrava uma simetria com a questão da terra. Para fazer face às implicações sociais e morais que o capitalismo exercia sobre uma classe operária desapossada, tanto para o patronato como para os políticos paternalistas tornava-se urgente reconciliar os trabalhadores com a fábrica, não só através de uma casa própria, mas também de um pedaço de terra que pudessem cultivar nos tempos livres. Foi neste contexto, para contrabalançar a incapacidade do patronato e do Estado em dar resposta à dimensão do problema da habitação, que foram criados os “jardins operários” inicialmente por instituições religiosas ou filantrópicas, e mais tarde noutras formas de associação cívica (Cabédoce & Pierson, 1996). Como medida paliativa, estes representavam, “para as pessoas que tinham emigrado recentemente das zonas rurais, um meio de manter o contacto com a terra e, para elas como para os parisienses expulsos da capital, um meio de se adaptarem a um novo espaço, simultaneamente urbano e rural.” (Cabédoce, 1991, p.250). Para além de uma questão de autossuficiência, estes jardins serviam de destino para os trabalhadores passarem os seus tempos livres, utilizando o pavilhão ou a pérgula construída por eles próprios como se fosse um prolongamento da sua própria casa.
- Para uma compreensão global da história e das políticas subjacentes a estes “grands ensembles”, ler o resumo escrito por Jean-Michel Léger em: https://politiquedulogement.com/dictionnaire-du-logement/g/grands-ensembles/
- Para um posicionamento nas suas próprias palavras, ver o documentário “Mon quartier c’est ma vie (1979) “, disponível em linha em https://www.dailymotion.com/video/xw8k9m
- De acordo com Gailhoustet, Jean Renaudie andou por Ivry com a maqueta do edifício Casanova, levando os habitantes a entusiasmarem-se com o facto de cada apartamento ter o seu próprio jardim. Ver entrevista em linha em: https://www.youtube.com/watch? v=ISv6p8dfH2U&t=120s
- Em 1973, através de uma decisão ministerial, foi finalmente decretado que a construção do primeiro deveria ser evitada. Trata-se de uma circular emitida pelo Ministro do Equipamento e da Habitação, Olivier Guichard, em 21 de março de 1973.
- Esta decisão foi tomada no espírito do tempo, pois pelo menos desde 1972, com o caso do complexo Pruitt-Igoe em Saint-Louis no Missouri, a demolição começou a ser vislumbrada como uma alternativa legítima à reabilitação, mesmo para edifícios com uma vida útil de apenas duas décadas. Em França, a renovação de grands ensembles incluía demolições parciais desde 1978, mas a intenção já existia desde 1975. Na verdade, ao longo dos anos 70, a população destes bairros alterou-se significativamente. À medida que os sectores menos favorecidos da classe operária atingiram uma certa solvência, incentivados financeiramente pelo próprio Estado, procuraram trocar estes grands ensembles por outros tipos de habitação, nomeadamente pavilhões unifamiliares com uma parcela de terreno próprio. (Baudin & Genestier, 2006, p.214) Com o desinvestimento na sua manutenção, a imagem e a reputação dos bairros sociais deterioraram-se. Como diz a Société Française d’Histoire Urbaine, “o tríptico: grandes bairros sociais/imigrantes/pobreza enraizou-se então na opinião pública sem que se conhecessem os contornos históricos exactos” (2012, p.155) e esta vaga foi utilizada para legitimar a escolha das demolições. (Berland-Berthon, 2012) Isto marcou a perspetiva dos responsáveis políticos e da sua política urbana ao longo das décadas seguintes, culminando em 2002 com um plano do Ministério da Coesão Social de demolição de 200.000 fogos em apenas 5 anos, um espírito que viria a ser patenteado na lei no ano seguinte (Baudin & Genestier, 2006, p.207) e que se afigurava contraditório com a dificuldade de alguns sectores da população em encontrar uma habitação digna.
- Convém recordar aqui que Frédéric Druot, Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal partilham um passado comum através da sua colaboração com Jacques Hondelatte, depois de ambos se terem formado na École d’Architecture de Bordeaux na década de 1980. A importância deste último é evidente pelo facto de a publicação da sua investigação, com o título Plus+. Les grands ensembles de logements. Territoire d’excepción (2007), incluir o artigo “Logements? - Des zones à explorer”, assinado por Jacques Hondelatte e Épinard Bleu (coletivo de arquitectos co-fundado por Frédéric Druot) e publicado originalmente no número 239 da revista Architecture d’Aujourd’hui, em junho de 1985.
- Sobre a vontade de alargar o debate para além de uma falsa dicotomia que opõe o pavilhão individual ao planeamento urbano dos grandes conjuntos, ou seja, entre a casa unifamiliar e o edifício coletivo de apartamentos, é importante recordar a discussão que Jacques Hondelatte e Épinard Bleu animavam já nos anos 1980. No texto reeditado para a publicação “Plus+”, afirmam: “Estranhamente, nunca a habitação “unifamiliar” se assemelhou tanto à habitação “colectiva” como hoje; nem a habitação “urbana” à “rural”; estranhamente, nunca a habitação foi uma reprodução tão monótona do modelo de habitação da classe média como hoje, uma reprodução mais ou menos reduzida, mais ou menos adaptada às normas socioeconómicas actuais. Estranhamente, esta resposta tradicionalmente precisa às necessidades ditas precisas da família média ideal parece ser admitida e assumida como definitiva: o homem que trabalha e a mulher que fica em casa a cuidar dos três filhos em idade escolar. Ao rejeitar, de facto, a evolução da natureza da morfologia e do funcionamento das casas, rejeita-se, de certa forma, a evolução do conceito de família. Será a casa um tema tabu, como o é a singularidade da célula familiar que nos dizem ser o fundamento das nossas sociedades? A habitação habitualmente proposta é constituída por um conjunto de espaços exatamente definidos por uma função bem definida; de um modo geral, os espaços exteriores são anedóticos; o mobiliário é mais ou menos integrado; as superfícies, as funções e as instalações são mais ou menos racionalizadas. Sejamos claros: vivemos encurralados e pouco à vontade”. (Druot, Lacaton & Vassal, 2007, p.35)
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