Valongo II

Valongo, 2019 , em curso

Valongo II

Valongo, 2019 , em curso

Esta casa é provavelmente a mais modesta e mais intensa resposta às reflexões que pautaram os primeiros anos de prática do atelier. Por um lado, o projecto procede da vontade de re-questionar a tipologia numa série de casas centenárias, reabilitando-as no sentido de propor um desvio da norma e a radical simplificação dos seus modos de uso. Tal como na casa-atelier, da qual é aliás vizinha, o espaço desta pequena casa é composto pelo desenho das infra-estruturas indispensáveis à sua habitabilidade, e do qual resulta agora uma sucessão de espaços bastante distintos, embora difíceis de nomear em bom rigor “funcional”. Por outro lado, realizada durante um período marcado por uma inflação brutal, quebras nas cadeias de produção e fornecimento de matérias-primas, assim como pela dificuldade em encontrar mão-de-obra especializada, o seu projecto resultou de um equilíbrio quase circense. Isso significa que a construção final viu-se forçada a confiar no sentido compositivo da improvisação, a fim de garantir que após quatro anos de recuos tanto as intenções orientadoras do projecto como o magro orçamento permaneceriam irredutíveis face a um processo de construção caótico.

Construída num lote particularmente empenado, a geometria da cidade reflecte-se nos espaços interiores da casa, sobretudo no carácter assimétrico dos novos elementos que lhe foram acrescentados. A limitação das portas ao estritamente necessário permitiu potenciar os atravessamentos de luz e de ar, horizontais como verticais, desde a rua até a um novo pátio triangular extraído do amontoado de anexos que foram demolidos.

Tal como na casa-atelier, e sempre que possível, o seu desenho tirou proveito do que foi encontrado, prolongando a estrutura do existente com recurso a materiais e técnicas construtivas correntes que nem por isso perderam as oportunidade surgidas, como é o caso da escada, para se tornarem inusitadamente expressivas. Em “Learning from Las Vegas”, Izenour, Venturi & Scott-Brown observaram que “a arquitectura pode ser ordinária - ou antes, convencional - por dois motivos: pelo modo como é construída ou pelo modo como é vista, isto é, pelo seu processo ou pelo seu simbolismo.” Nesta casa, como de modo geral, poderá dizer-se que o nosso interesse recai acima de tudo sobre o primeiro. Num momento em que redescobrimos esse outro lado da arquitectura da cidade que é o das periferias, essa perspectiva foi de tal forma assumida e ensaiada que se considerou que mesmo um banal tubo de queda em PVC, apesar de “feio e ordinário”, se pode tornar interessante. Quanto mais não seja, pela sua cor e pela excentricidade que resulta da sua presença no sítio errado. Entre inúmeros compromissos materiais, este projecto foi o resultado possível de um longo e atribulado processo, mas que de algum modo encontrou uma forma (ou, pelo menos, um formato) de chegar a bom porto.