Valongo IV
Valongo, 2022 , em curso
Valongo IV
Valongo, 2022 , em curso
Todo o gesto vai no sentido de construir uma geometria da dignidade.
Pensar uma funerária é um exercício inusitado. Não se trata de um espaço sagrado nem de um espaço profano, mas de desenhar o espaço-entre. Apesar do papel que este desempenha num processo cultural e ritual carregado de emoções -convocando imagens arquitectónicas particularmente intensas- a encomenda é genérica: um escritório, um garagem e um armazém. Para quem organiza a logística desse ritual, a morte é matéria do dia-a-dia. Para quem se vê forçado a recorrer aos seus serviços, a morte é uma situação extra-ordinária. A arquitectura deve responder a ambas. Na prática, trata-se de legalizar e transformar um edifício de garagens, que ocupa actualmente um lugar “central” em Valongo: junto à igreja, à capela mortuária e ao cemitério.
A proposta assenta sobre essa pré-existência, com um piso tripartido e marcadamente horizontal. Para que fosse possível respeitar o pé-direito mínimo legal, inclinou-se a cobertura. Exigências do “património” obrigaram-nos a colmatar a empena do vizinho, legitimando um inútil e desproporcionado lanternim sobre a garagem, mas que permite transformá-la numa sala de preparação do corpo, não prevista no programa original. A geometria parabólica confere ao escritório uma disposição mais acolhedora. Um segundo volume, de planta quadrada, acolhe as instalações sanitárias. Em conjunto, estes definem um fundo inesperadamente escultórico para o armazém, sem que isso ponha em causa a economia do projecto.
Contra o almejo de “modernidade” dos técnicos camarários, a cobertura inclinada e a figura do lanternim serão revestidos com ardósia, única matéria-prima extraída e processada localmente. Uma janela circular tornar-se-á, expectavelmente, um novo marco na cidade. Todo o gesto vai no sentido de construir uma geometria da dignidade. Dependendo do ponto de vista, este virá a ser um edifício extraordinariamente ordinário ou ordinariamente extraordinário.