Casa Atelier

Valongo, 2015–22

Equipa

João Paupério

Maria Rebelo

Fotografia

Francisco Ascensão

Luca Bosco

Casa Atelier

Valongo, 2015–22

Não há acabamentos extravagantes, roupeiros embutidos e muito menos ‘walk-in closets’.

No seu manifesto “il fera beau demain” (1995), Anne Lacaton & Jean-Philippe Vassal deixaram um aviso à navegação para quem projeta e constrói hoje em dia, ao escrever: “privamo-nos de uma arquitectura extraordinária em nome de um pouco de conforto burguês”. Partindo dessa (ou contra essa) suposição, a reabilitação desta casa bicentenária visa o seu contrário: ou seja, uma estética anti-aspiracional. No seu interior, não existem quartos principais nem suites. Não há acabamentos extravagantes, roupeiros embutidos e muito menos ‘walk-in closets’. As formas dos seus espaços não seguem funções pré-determinadas, uma vez que o objectivo é que nem a etiqueta nem os protocolos domésticos convencionais sejam respeitados dentro desta casa.

No exterior não se encontra um jardim idílico, mas antes um jardim produtivo, partilhado com um agricultor sem terra. No interior, não existe uma estrita divisão do trabalho: o atelier de arquitectura, a casa e o jardim coabitam sem propriamente se sobreporem, surgindo contradições que procuram resolver quaisquer antagonismos. O edifício que aqui existia foi esvaziado do que lhe era supérfluo, e nele foi reconstruído apenas aquilo que se considera estritamente fundamental: duas esculturas habitáveis contendo as infraestruturas indispensáveis para as necessidades básicas - uma cozinha e uma casa de banho - e uma série de lugares inúteis; “extra-ordinários”, porque impossíveis de nomear. Para além destes, foi apenas acrescentado um mezanino, por questões práticas de intimidade. Esses novos novos volumes foram construídos em madeira de pinho, contraplacado marítimo e MDF hidrófugo, para uma maior durabilidade. De um ponto de vista plástico, as cores reflectem as condições dos próprios materiais.

Os pavimentos foram nivelados com os despojos das paredes demolidas e com uma betonilha afagada à mão, exposta e acabada apenas com uma fina camada de cera. Quando possível, as paredes de granito e ardósia foram deixadas visíveis. A estrutura de madeira existente foi substituída apenas onde era inevitável, por questões de segurança. Foi encetado um esforço para manter tudo o que foi possível, adoptando a opção de “não-fazer” como premissa metodológica. Na sala, um tronco de árvore que já existia é o Alberto Carneiro que nunca seremos capazes de pagar. Tanto a porta de entrada de madeira existente como as molduras das janelas de madeira foram restauradas, sem que outras intervenções fossem realizadas na fachada principal da rua. Mesmo os vestígios de cartazes políticos colados sobre os seus azulejos durante a Revolução de Abril foram conservados, enquanto forma de património material e intelectual. Tanto o telhado existente como a fachada sul foram isolados por questões de eficiência energética. Pela mesma razão, foram produzidos três novos caixilhos de madeira: pintados de vermelho vivo para proteção e evocação, incluindo portadas para intimidade e regulação da luz. Na fachada norte, novos caixilhos interiores de madeira foram acrescentados, para criar pequenos jardins de inverno que ajudam a manter o calor dentro de casa e o ruído da rua fora dela.

As escolhas de projecto que fizemos (e as que não fizemos) permitiram-nos alcançar um orçamento inferior a 500 euros/m2. Para quem esteja disposto a tal compreender, esta casa pode ser lida como seguindo as orientações de um manifesto ainda por escrever. Um manifesto dirigido para aqueles que vivem nos ditos países “desenvolvidos” e que só é possível entender a partir do seguinte pressuposto: (praticamente) tudo o que precisamos já cá está. Entre vazios e ruínas, toda e qualquer parede é potencialmente uma casa, uma escola, um hospital ou uma fábrica. Cabe-nos a nós reocupá-los, redistribuí-los e reinventá-los. Cada peça de arquitectura é uma utopia inacabada, desde que, para evocar palavras de Rossi, reavivemos “a política como opção”.

Em abril de 2023, foi atribuída a esta obra uma menção honrosa (2º lugar) na primeira edição do Prémio MGD, organizado pela Ordem dos Arquitectos.